Minha experiência com grupos Mastermind

Sheila Gomes
8 min readFeb 22, 2021
Photos by Andrew Neel, Anthony Riera, Daniel Bosse and Surface from Unsplash

Foi em 2015 que ouvi falar pela primeira vez de grupos Mastermind, no relato de uma colega tradutora, e fiquei fascinada pela ideia. A noção de reunir colegas em torno da vontade de crescer profissionalmente através da ajuda mútua me parecia genial. E entre conhecer e formar o primeiro grupo foi um pulo: resolvi propor a ideia a alguns colegas e decidimos fazer um experimento.

Como não sabíamos quase nada a respeito de grupos Mastermind, fomos pesquisar e, a partir das informações coletadas internet afora, elaboramos um plano e fomos criando métodos que funcionassem para nós. Eu acho importante que, ao se inspirar em ideias alheias, a gente as adapte à realidade em que as colocamos em prática, senão elas acabam não tendo sustentabilidade.

Então, depois de uma primeira reunião, onde trocamos algumas ideias iniciais, definimos as seguintes regras práticas para o funcionamento do grupo (que serão detalhadas mais adiante no texto):

  • Nosso grupo teria no máximo 5 pessoas, todos tradutores e/ou intérpretes;
  • Faríamos reuniões virtuais pelo Google Hangouts de 1 hora e meia de duração a cada 2 ou 3 semanas;
  • Nos primeiros 25 minutos, cada um teria 5 minutos para falar o que fez profissionalmente desde a reunião anterior (o que aprendeu, o que realizou, ideias que teve, etc.);
  • Na próxima meia hora, faríamos uma discussão sobre o que cada um contou, tentando atender os pedidos de ajuda, conselhos ou informações, dentro do que cada um podia oferecer sobre o tema;
  • Na última meia hora, fecharíamos com todos falando dos planos para as semanas seguintes, conclusões a que chegaram depois da conversa ou mesmo mudanças nos planos anteriores por conta dela;
  • Registraríamos tudo no Trello, num quadro compartilhado onde guardaríamos os resultados das discussões, referências que surgiam no meio delas e informações importantes para o grupo. E usaríamos o Skype para resolver questões relativas ao grupo que surgissem no dia a dia.

Nossa primeira reunião serviu exclusivamente para delimitar essas regras, o foco das discussões (no nosso caso, desenvolvimento contínuo e crescimento profissional) e o compromisso de participar, mesmo sem promessas de realizar tudo o que discutíssemos. A ideia não era ser um grupo de cobrança, mas de acompanhamento e motivação para realizarmos o que nos sentíssemos capazes e dispostos a fazer. Até porque as pessoas crescem no decorrer do tempo, e coisas que faziam sentido antes podem deixar de fazer conforme a vida passa e outras coisas acontecem.

Por que poucas pessoas?

Depois de pesquisar, descobrimos que existiam grupos Mastermind de todos os tamanhos, com 4, 7, 10 ou até mais pessoas, da mesma profissão ou de áreas diferentes. No nosso caso, sentimos que um número menor permitiria uma discussão mais aprofundada e produtiva, pois não queríamos estender demais as reuniões, a ponto de interferir com outras atividades que já tínhamos. Assim seria mais fácil manter a participação ativa e constante. E depois, no decorrer dos encontros, acabamos comprovando que com menos pessoas conseguimos nos conhecer melhor e oferecer um apoio mais personalizado. E isso ajudou bastante a formar nossa pequena comunidade de ajuda mútua.

Duração e frequência

Depois de decidirmos na primeira reunião que a discussão seria em torno de desenvolvimento contínuo e crescimento profissional, chegamos à conclusão de que íamos precisar de tempo para cumprir metas mínimas para atingir objetivos de curto, médio e longo prazo. Então, depois de discutirmos, achamos que três semanas seriam um bom intervalo para dar passos suficientes sem perder o impulso inicial e sem sermos atropelados pelos compromissos do trabalho e de outras atividades. E que cada encontro teria uma hora e meia de duração, com uma pessoa responsável por mediar as interações e controlar o tempo para não ultrapassar esse limite. Funcionava sempre? Não. Às vezes a discussão se estendia, às vezes tínhamos que adiantar ou atrasar o encontro em uma semana por conta de imprevistos da vida. Mas era só manter todo mundo avisado e tudo se arranjava. Essa foi outra coisa que descobrimos ao longo do tempo: como o processo foi totalmente colaborativo e elaboramos as regras em conjunto desde o início, conforme a necessidade, íamos adaptando ou mudando a forma de fazer as coisas para que tudo funcionasse em prol do objetivo do grupo.

(…) quando tudo começou, eu não tinha entendido muito bem a proposta ainda, mas bastaram algumas reuniões para eu entrar no espírito do grupo. A coisa não surgiu como um “grupinho de amigos”, tinha gente que eu nem conhecia ainda. De certa forma isso tornou a coisa ainda mais interessante. (…) A sinergia que temos e o progresso que fazemos na carreira, só por estarmos dispostos a participar, são imensos. (Thiago Hilger, um dos participantes, que escreveu mais sobre grupos Mastermind aqui)

Exposição inicial

A primeira parte de cada reunião era o compartilhamento do que cada pessoa fez, aprendeu, descobriu, desde o último encontro. Como eram só 5 minutos para cada um, precisávamos tomar cuidado para que não virasse uma terapia de grupo, em que as pessoas só desabafassem ou contassem histórias em mais detalhes do que o necessário para que todos entendessem a situação atual de cada um. Levou um tempo, e a mediação era especialmente importante nesse ponto, até internalizarmos a rotina de limitação do tempo para que todo mundo tivesse oportunidade de falar. Não era uma questão de ter que interromper a pessoa que passasse do tempo, mas lembrar todos, antes de cada compartilhamento, que o limite de tempo seria observado para que todos tivessem sua vez. Com o tempo, todos acabavam ajudando na mediação para manter o rumo da conversa dentro do planejado.

Bom, para mim, praticar mastermind é uma injeção de ânimo para o meu negócio. Eu mal tirei as fraldas na profissão, e no grupo tenho a oportunidade de conviver com profissionais que já estão estabelecidos e têm mais experiência que eu, mas que não me dão carteirada de certidão de nascimento, sabem? Isso é muito importante, pois a gente insiste em confundir pouca experiência com falta de profissionalismo. (Carolina Walliter, participante do grupo Mastermind)

Discussão e troca

A segunda parte da reunião era quando todos discutiriam sobre as exposições iniciais, trocando ideias, estimulando uns aos outros, às vezes ajudando a lidar com inseguranças, por exemplo, oferecendo informações ou depoimentos sobre situações semelhantes. Essa parte era bem interessante, porque era quando cada um (re)definia o caminho que tinha trilhado até ali, uma boa prática para questionar ou afirmar continuamente as decisões tomadas até então, o ponto a que se queria chegar e como os outros podiam colaborar para amenizar ou ultrapassar obstáculos. Era uma oportunidade de crescimento inestimável, quando a gente percebia a diferença que uma pequena comunidade de acompanhamento de objetivos faz, onde cada um assumia responsabilidade pelos próprios planos, mas o grupo motivava a realizar coisas que talvez sozinha a pessoa não se sentisse capaz de fazer.

A composição heterogênea do grupo é uma grande vantagem, pois os diversos pontos de vista e experiências enriquecem os debates e geram contribuições interessantes. À medida que as reuniões foram acontecendo, o grupo se consolidou como uma maravilhosa equipe de apoio, formada por colegas que entendem e conhecem os desafios da profissão e estão dispostos a opinar, com sinceridade e respeito, sobre as ideias e iniciativas dos demais participantes. (Márcia Nabrzecki, participante do grupo Mastermind)

Planos e metas

Na parte final da reunião elaborávamos os próximos passos para atingir os objetivos ou resolver as questões discutidas na etapa anterior. Um ponto importante é que não havia cobranças, cada um falava e fazia o que dava conta e se não conseguia realizar algum plano ou meta, tinha oportunidade de discutir o que poderia melhorar, ou mesmo desistir do plano e fazer outra coisa. A intenção do grupo era ser uma comunidade de acolhimento tanto quanto de acompanhamento. Eu acredito que compartilhar ideias pode ser exatamente o que precisamos fazer para realizar certas coisas. Coisas que temos no nosso universo interior e que podem parecer menores ou irrelevantes em relação à nossa percepção do mundo lá fora… até vermos o impacto de nossas ideias entre nossos pares.

O tradutor pode potencialmente se tornar um profissional muito solitário. Nós nos ilhamos em nossos escritórios e home offices, concentrados nas nossas atividades e com frequência isolados do mundo, e por isso ao formar um grupo de Mastermind, além de dispor de uma ferramenta poderosa de crescimento profissional e pessoal, tem-se também uma grande alegria, uma enorme ajuda, uma injeção de ânimo, uma oportunidade de exercitar a profissão de modo mais criativo e uma excelente maneira de humanizar, repensar e interagir dentro do âmbito tradutório. (Rafael Pescarolo de Carvalho, um dos participantes do grupo)

Resultados

Cada membro do grupo tem histórias de quanta coisa realizou como resultado da participação no Mastermind: (re)organização de ideias para apresentação profissional e marketing pessoal, redefinição de estratégias de mercado e público-alvo, organização de conferências e oficinas, autopublicação de um livro, criação de sites de referência. Há várias razões para tradutores e intérpretes quererem se unir, seja para combater a solidão, buscar motivação naqueles momentos em que precisamos de validação para nossas ideias e também para não perder o contato com as práticas em outros setores. As práticas dos grupos Mastermind trabalham com todas essas questões, e seus membros têm oportunidades de crescimento multiplicadas pelo alcance e conhecimento conjunto do grupo.

Desdobramentos

Eu participei de alguns grupos Mastermind, e foram todas experiências muito boas, que tiveram um papel imprescindível na construção da minha carreira de tradutora. E uma das coisas muito legais foi poder passar isso adiante, ajudando outros grupos a se formar ao falarmos publicamente sobre o nosso. Com o primeiro grupo chegamos inclusive a fazer uma apresentação na maior conferência de tradutores do Brasil, onde tivemos uma recepção muito legal do público. Abrimos nosso mastermind para o mundo com a intenção de disseminar essa prática, dando um subsídio de informação sobre nossa experiência para ajudar quem quisesse formar o seu próprio Mastermind. Foi um momento muito especial por conta dessa recepção, mas também porque nos reunimos presencialmente no evento (dessas coisas que hoje têm um sabor ainda mais nostálgico), com a exceção de um dos membros do grupo, que morava fora na época, e participou virtualmente.

Depois disso, alguns de nós participaram de outros Masterminds, e num certo momento acabamos desfazendo esse primeiro grupo. Isso aconteceu porque o grupo, como tudo, teve seu ciclo e tudo bem reconhecer a necessidade de uma pausa, do fim ou de uma renovação dos integrantes. Ainda assim, acredito que é uma iniciativa muito valiosa para ajudar as pessoas a se firmarem na carreira escolhida, ou mesmo questionar suas escolhas e descobrir potenciais ocultos. Contar com uma comunidade empenhada em trazer à tona tudo que o grupo tem de melhor, multiplicando a força de cada um, é um caminho muito mais seguro e claro, que dá uma base para alçar voos às vezes inimagináveis para uma pessoa só.

Se você gostou da ideia e quiser formar seu próprio grupo Mastermind, mas ainda não se sente preparado/a, fale comigo, quem sabe eu posso ajudar!

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Sheila Gomes

Tradutora que constrói as pontes possíveis entre comunidades. Também localiza sites, software e jogos.